Quando as boas intenções não são suficientes
"De boas intenções está o inferno cheio!", costuma-se dizer.
O que é certo é que, no que respeita aos animais, por vezes as pessoas até podem ter a melhor das intenções, mas nem sempre isso é suficiente ou resolve os problemas.
Já aqui falei que não sou entendida em cães, e por isso espero que quem o seja me possa esclarecer e, quem sabe, atenuar aquilo que sinto cada vez que olho para aquele cão, confinado a um espaço tão pequeno e, ainda assim, preso por uma corrente.
Cada vez que olho para aquele cão, enrolado num cantinho desse minúsculo espaço, sem qualquer cama, manta ou casota que o resguarde, deitado num chão molhado da chuva. Ou então, numa manta que, de vez em quando lá põem, molhada também!
Cada vez que olho para aquele cão com as taças vazias, muitas vezes viradas ao contrário, e com o chão à sua volta cheio de dejectos por limpar, se for preciso, um dia inteiro.
Cada vez que olho para aquele cão que já tem o pelo encardido, de estar ali no meio daquela sujidade sem que ninguém lhe dê banho.
Cada vez que olho para aquele cão que, de vez em quando, se põe em pé ao portão e ladra, como se pedisse ajuda para o tirarem dali, ou quando me parece o cão mais triste e resignado do mundo.
Todos os dias passo por ele, quatro vezes, e de cada vez o meu coração fica apertado. Já assim era nos tempos em que, no lugar dele, estava um outro, nas mesmas condições. Esse, já foi para perto de outros dois, que estão no quintal ao lado, e mal se vê. Mas levaram para lá este novo.
Não sei se estes cães são da pessoa que lá mora, porque ela os quis, ou se, como ouvi dizer, ela vai recolhendo animais na rua, abandonados. Ainda assim, em qualquer das situações não me parece que os animais, pelo menos este, estejam a ter os melhores cuidados e a viver nas melhores condições.
Já pensei, algumas vezes, denunciar esta situação.
Mas, lá está, por melhor que seja a minha intenção, não significa que seja benéfica para estes animais. Para onde os iriam levar? Em que situação se encontrariam depois?
E, assim, vou passando por ali, olhando e calando, e pensando se os cães podem realmente viver assim, e se as minhas preocupações não têm qualquer fundamento.
Mas olhando para as minhas gatas, protegidas, em casa, e para alguns cães que vejo dentro da casa dos donos, cheios de mimos, fico na dúvida.
Ao lado dos meus pais, tenho outro exemplo. A vizinha, quando foi para lá morar, levou uma cadela bebé. No início, a cadela ficava em casa. Uns meses depois, começaram-na a pôr na rua, porque destruía tudo dentro de casa! Agora passa o tempo todo no quintal.
Já a minha senhoria, por enquanto, e porque não houve ninguém que quisesse ficar com a gatinha bebé que por lá apareceu, decidiu mantê-la no seu barracão. Mas, em conversa, disse-me logo: "ai, esta não vou habituar a comer ração, esta vai comer de tudo, seja leite, seja restos, não se pode armar em esquisita. Já me basta o meu e a outra que aqui vem comer!"
Ora, a intenção é boa. Se assim não fosse, a gata andaria para aí na rua e poderia até estar morta. Mas será que ela merece este tratamento diferente, só porque apareceu quando não devia, e está a mais?
E lá vem o meu lado. Tenho ração em casa, que poderia dar para a gatinha. Mas quem me garante que a senhoria não vai pegar nela e dar ao seu gato? E eu não posso dar porque ela está no barracão. E também não posso ficar com ela porque não tenho condições financeiras para isso, nem tão pouco poderia agora juntar mais uma gata às nossas. Então, por muito boa que a minha intenção de ajudar fosse, não resolve o problema desta gatinha.
Tenho também um bom exemplo em casa. Quando adoptámos a Amorinha, fizemo-lo por dois motivos: porque queríamos uma segunda gata, e porque sabíamos que dificilmente alguém ficaria com ela, devido ao seu problema neurológico, a achámos que também ela merecia um lar e uma vida digna. Não nos arrependemos nem um segundo de a termos adoptado. Ela é a gata que qualquer um gostaria de ter! É o nosso "docinho de Amora"! No entanto, à medida que ela vai crescendo, e os problemas surgindo, percebemos que é difícil proporcionar-lhe tudo o que ela merece.
Porque, ingénuos, ou não querendo ver o que estava à nossa frente, acreditámos que era, simplesmente, um problema neurológico que lhe afectava a locomoção, e que podia fazer uma vida normal. E, de facto faz! Ela brinca, corre, salta, come bem, dorme, vai à caixa como qualquer gato.
Mas já teve convulsões, que nos obrigaram a levá-la ao veterinário por duas vezes, com um internamento. As convulsões passaram, mas veio a incontinência urinária, e com ela análises, exames e medicação, que não resolveram e levaram a mais exames. Enquanto não temos o dinheiro para isso, ela vai alternando períodos em que está bem, com outros em que a incontinência volta. Como se não bastasse, para além de tudo isto surge agora um problema na vista, que vamos ter que ver primeiro, e lá ficam os exames para trás, assim como a esterilização. E chego à conclusão que, apesar das nossas melhores intenções, não sei se vamos conseguir proporcionar à Amorinha os cuidados veterinários que ela realmente precisa.
São apenas alguns casos de boas intenções que, por vezes, não são suficientes e que, em alguns casos, podem prejudicar mais que ajudar. E por aí, também conhecem casos destes?