Quando nos sentimos responsáveis por gatos que não são nossos
Quando adoptamos um animal, assumimos essa responsabilidade para com ele, enquanto partilhar a sua vida connosco. É algo óbvio.
Mas, quando nos começamos também a sentir responsáveis por animais que não são nossos, mas que connosco convivem diariamente?
O Branquinho é o gato dos vizinhos da frente, do qual já falei aqui várias vezes.
Nos últimos dias, parece-me que tem passado as noites na rua. Antes das 7 da manhã, já ele está à nossa porta a miar, ou à janela. Não acredito que os seus donos se levantem assim tão cedo, que tenham aberto a porta e ele tenha saído, por isso, deduzo que tenha ficado na rua desde o dia anterior.
Porque é que ele mia?
Porque quer comer, também. Mas, sobretudo, porque quer entrar em casa, porque quer atenção que não recebe de outro lado. Porque quer mimos e festinhas.
O Branquinho acompanha-nos ao lixo, e de volta a casa, e deita-se no chão pelo caminho, a rebolar-se e pôr-se de barriga para o ar, para lhe fazermos festinhas.
O Branquinho acompanha-nos a casa dos meus pais. E é engraçado como ele sabe, naquela rua com várias casas, qual a porta para a qual estamos a ir, e lá está quando nós chegamos.
Por descuido nosso, e atrevimento dele, já entrou algumas vezes, tanto numa, como noutra casa! E gruda mesmo! É preciso pegá-lo ao colo (e bem gordito e pesado está), senão não sai.
O Branquinho acompanha-nos numa parte do caminho, quando vamos para a escola/ trabalho. Por vezes, fica parado na porta dos meus pais, e ver-nos ir, e quando percebe que não vamos voltar, volta para perto da sua casa.
Outras, arrisca-se a ir um pouco mais à frente, mas sabe que só pode ir até ali, e volta atrás.
Mas, hoje, ele arriscou-se, e quase nos provocou um ataque de pânico. Apesar de um senhor, pelo caminho, o estar a chamar, ele continuou a vir connosco até a um cruzamento perigoso.
Sabia que ele não tinha fome, porque tinha uma caixa com ração à nossa porta, e não comeu, mas como levava um saquinho com ração para os gatos da colónia, lembrei-me de, ali no degrau de uma casa abandonada, pôr um pouco, a ver se ele ficava por ali.
Só que o Branquinho não deu por isso e, quando a minha filha deu mais uns passos, ele foi atrás dela para a estrada. Percebemos o som dos carros a vir e pensámos "vai ser já atropelado".
Por acaso teve sorte, os carros passaram ao lado. Sim, porque ele nem saíu de onde estava. E eu fiquei parada, porque ao mínimo movimento, ele podia assustar-se, e acontecer o pior.
Só quando vi que não vinham mais carros é que fui ter com ele, e só então ele saíu dali e, talvez com o susto, voltou para trás.
É certo que foi, em parte, por nos conhecer e vir atrás de nós, que se colocou em perigo mas, e quando não estiver ninguém por perto?
Como é que deixam um gato, que é nitidamente, um gato para estar em casa, andar nas ruas desta forma, todo sujo, à chuva e ao frio, à guerra com os gatos da vizinhança ao ponto de ter o focinho todo ferido?
E para nós, que somos apaixonados por gatos e lidamos com ele todos os dias, é difícil não nos sentirmos responsáveis por ele.
É difícil não pegar nele, dar-lhe um tratamento à altura, levá-lo ao veterinário e ficar com ele.
Mas ele tem donos. Péssimos, mas tem. E como dizer a alguém com quem até nos damos bem, que lhe ficámos com o gato porque essa pessoa, pela forma como o trata, perdeu quaisquer direitos sobre ele? Que a forma como acham que o gato deve viver, não é a mais correcta, e que nós é que estamos certos, e eles errados?
Além de que, se realmente nós, ou qualquer outra pessoa, lhes ficasse com o gato, o mais certo seria arranjarem outro, e tudo se repetir.
Por isso, vamos esperando que ele se vá aguentando um dia após o outro, sem nos chegar a notícia de que apareceu sem vida, por aí, como aconteceu à Kikas.